Póvoa de Penela, a terra branda que se deseja

Estabelecida na parte mais setentrional do concelho de Penedono, onde a Beira encontra o Douro, a antiquíssima Póvoa de Penela eleva-se no centro de uma paisagem fascinante, que se assemelha a um mar revoltoso cujas ondas são os montes que se sucedem e precipitam em vales e colinas. Os nossos olhos podem descansar nesta paisagem pitoresca, cheia de matizes de mil cores, e avistar ao longe terras distantes cheias de contrastes naturais, onde o dourado do xisto se mescla com os cinzas e áureos graníticos, entre falhas e vales fluviais.
Marcadamente rural, é uma das sete freguesias que atualmente compõem o concelho de Penedono e cujos limites abraçam um território com cerca de 900 hectares. Com a divisão do território nacional, operada nos finais dos anos oitenta, a freguesia de Póvoa de Penela ficou integrada na área NUTIII – Douro. As suas extremas confrontam a nascente com a freguesia do Souto e a poente com a freguesia de Penela da Beira, a sul com a freguesia de Penedono e Granja, sendo que a norte o limite da freguesia constitui também a divisão entre o concelho de Penedono e de São João da Pesqueira. Póvoa de Penela situa-se a 9 km da sede de concelho e a pouco mais de 75 km da sede de distrito.

Panorâmica de Póvoa de Penela

A freguesia de Póvoa de Penela é formada por alguns lugares de relevo, como Bebeses, situado a cerca de 5 km da sede de freguesia, e os lugares da Ponte da Veiga, Ribeira, Ferrado e Santo Aleixo. Outrora mais povoada, hoje a freguesia conta com uma população residente de 325 indivíduos, dos quais 151 do sexo masculino e 174 do sexo feminino, constituindo uma das freguesias mais populosas do concelho.
É uma terra frutuosa, com grande abundância, onde se destacam os azeites de excelente qualidade, as frutas e outros mimos, afamados desde longos tempos. Como curiosidade, em meados do século XVIII, o pároco Francisco Rodrigues Mouzinho contava que a Póvoa produzia “centeio, e também algum trigo, muito milho grosso a que chamam milham, muita castanha, azeite bastante para os moradores, feijoens brancos, muita castanha da India [batata] a que vulgarmente nesta villa chamam castanholas, linho a que chamam galego este regadio”.

Panorâmica de Bebeses

Póvoa de Penela é terra muito antiga. Ninguém duvide.

Póvoa de Penela, ou simplesmente Póvoa, como é apelidada pelos seus naturais, é terra antiga. A cada recanto, em cada passo dado pelas suas seculares ruas e azinhagas, vislumbra-se o peso da sua História.

A povoação estabeleceu-se no cimo de um monte, como se o coroasse, a cerca de 740 metros de altitude. Na parte mais alta, na Praça, colheram-se os vestígios mais antigos do povoamento humano da freguesia, que remete para uma ocupação durante o Bronze Final, à semelhança de outros locais do concelho. Mais a sul, no lugar da Ribeira e da Ponte da Veiga, em terrenos mais aplanados e propícios à lavoura, foram recolhidos fragmentos de peças cerâmicas domésticas e de construção (tégulas), tendo ainda sido achadas mós, que confirmam a exploração romana. Portanto, o povoamento do território da freguesia da Póvoa precede a antiguidade que o seu topónimo sugere, pois cedo as suas veigas e fragas foram calcorreadas pelos homens em busca de metais, aliás como sucedeu um pouco por toda a parte do concelho.

Panorâmica de Póvoa de Penela

As suas origens

O topónimo Póvoa sugere uma fundação antiga (do arcaico pobra, do latim popula), remetendo as suas origens para os tempos do pobramento, isto é, de povoar uma terra por colonos e caseiros; uns que vieram de outras paragens e outros que certamente aqui já estariam. Póvoa de Penela, sendo o epíteto moderno, deverá ter sido povoada durante os tempos duros e violentos da reconquista cristã, talvez ainda no século X. A confirmar-se, talvez a Póvoa correspondesse a uma das populaturas mencionadas no mais antigo documento escrito referente à terra de Penedono, datado do ano de 960, onde além de constar a notícia do seu castelo, se mencionam as penellas (pequenas fortificações roqueiras) e populaturas (pequenas povoações em zonas baixas). Nesse tempo, o actual território da freguesia da Póvoa ficava na chamada extremadura, ou seja, terra de fronteira entre muçulmanos e cristãos e por isso sujeita à violência dos assaltos, da rapinagem e da destruição.

A conquista

Seria preciso esperar até meados do século XI, para que as hostes cristãs comandadas pelo rei Fernando, o magno, conquistassem definitivamente estas paragens, no decurso da célebre «Campanha das Beiras». Após essa conquista, no esforço de reorganizar e repovoar estas terras, entre os anos 1057-59, o mesmo rei concedeu o primeiro foral a terras que viriam mais tarde a ser portuguesas – Penela, Paredes, São João da Pesqueira, Linhares e Ansiães – e o território da freguesia da Póvoa ficou dentro do termo do concelho medieval de Penela, sujeito aos deveres e privilégios constantes do seu foral.

O desenvolvimento agrícola no século XIII

O alvor do século XIII trouxe os primeiros raios de prosperidade e registou-se um importante desenvolvimento agrícola. As florestas cobriam o solo, ocupando uma grande área de terrenos que os topónimos de Cerro ou Tapada ainda invocam e, durante os séculos seguintes, os homens desbravaram terras, amanharam baldios e expandiram os terrenos de lavoura. Esse crescimento da exploração agrícola ficou a dever-se a acção individual de muitos camponeses, mas também à iniciativa dos senhores, nobres e eclesiásticos. Os lugares da Ribeira, da Ponte da Veiga, da Portela, da Gricha, entre outros, são testemunhos inegáveis desse arroteamento de novas terras, acompanhado pela fixação de mais famílias na Póvoa, então uma pequena aldeia.

Dessa expansão da área agrícola renasceram antigos lugares abandonados, mas também originou a fundação de outros como as quintas da Retorta e da Portela. De resto, esse fenómeno é ainda reconhecível quer na toponímia, quer em vestígios como as sepulturas escavadas na rocha que hoje ainda se podem observar na Ribeira. Este tipo de túmulos, vulgarmente conhecidos como campas dos moiros, está relacionado com o povoamento alto-medieval e parecem estar associados ao surgimento das primeiras paróquias, apesar de ser difícil de precisar a sua cronologia. São monumentos importantes que nos falam mais da vida do que a morte dos que nos antecederam, sendo muito comuns os casos de sepulturas escavadas na rocha em torno de igrejas paroquiais que denotam a sacralização do local. No caso das sepulturas até agora descobertas na freguesia da Póvoa, podemos afirmar que a sua tipologia se enquadra entre os séculos XII-XIII, sugerindo que a paróquia ainda não estava formada.

A escolha do orago de Santa Margarida para a Póvoa, em voga em terras portuguesas a partir do seculo XIII, é um bom indicativo para estabelecer esta centúria, como ponto de partida para a evolução da comunidade que aos poucos ganhava autonomia em relação ao concelho de Penela.

Os séculos XII-XIII revelaram-se um tempo de desenvolvimento e aumento da produtividade agrícola que foi acompanhado por constantes tentativas de expansão senhorial. Por outras palavras, as terras mais férteis e produtivas foram alvo da cobiça dos mais poderosos que, frequentemente, sob o pretexto de oferecerem protecção praticavam diversos abusos sobre as populações. No reinado de Sancho II, um poderoso senhor, Abril Peres de Lumiares (então tenente da terra de Lamego), «recebeu» do concelho de Penela um herdamento na Póvoa onde fez estender a sua imunidade. Portanto, Abril Peres usurpou a Póvoa, que era terra do rei, convertendo-a numa honra, ou seja apropriou-se da terra, passando a exigir aos seus habitantes os direitos cobrados nas suas honras e a impedir a entrada dos homens do rei. Essa situação prolongou-se no tempo, tendo a posse da aldeia da Póvoa sido transmitida aos seus descendentes, pelo que na segunda metade do século XIII estava em posse de D. Urraca Afonso, já então viúva de D. Pero Anes de Riba de Vizela, neto de D. Abril Peres de Lumiares.

No entanto, o rei D. Dinis ordenou que se fizessem diversas inquirições sobre o reino com o intuito de conhecer os direitos e prerrogativas que possuía e de mandar repor a legalidade, devassando as situações de abuso da nobreza e do clero. Chegados os enviados régios ao termo do concelho de Penela identificaram a situação de sujeição em que a Póvoa se encontrava, assunto que levaram ao conhecimento do rei que decretou a sua devassa. Por ela, os homens do rei, como o mordomo, passavam a entrar na aldeia da Póvoa e a garantir que o rei voltava a ser o senhor dos moradores e a receber deles os direitos régios.

Das guerras fernandinas no século XIV ao conde de Marialva

O século XIV trouxe renovados castigos e novos senhores. Na primeira metade propagou-se a peste, que depressa trouxe a fome e, com o advento do reinado de D. Fernando, vieram as guerras. Além disso, começaram a verificar-se, um pouco por todo o lado, os sinais de esgotamento dos solos a que se somaram as mudanças climatéricas, que consistiram num período de pluviosidade intensa e num arrefecimento generalizado. As chuvas e os frios faziam apodrecer os frutos da terra, as sementes, perdendo-se as colheitas. Na segunda metade do século XIV, consequência de uma política desacertada, começaram as guerras fernandinas que agravaram as dificuldades. A Beira viveu momentos de destruição terrível.

No sentido de recompensar os serviços militares prestados nas guerras que Portugal travou com Castela, o rei D. Fernando acabou por doar aos nobres um número significativo de terras nestas partes da Beira-Douro. Em 6 de Março de 1372, o rei D. Fernando doou ao escudeiro Vasco Fernandes Coutinho, avô do conhecido Magriço, entre outras terras, as localidades da Póvoa e de Penela com os seus termos de juro de herdade e jurisdições, o que significava que passavam a ser património do domínio senhorial dos Coutinhos, apenas precisando de ser confirmada a doação a cada novo rei ou novo herdeiro. Porém, a posse total da Póvoa e Penela só ocorreria alguns anos mais tarde, novamente em razão do apoio e serviço militar de Vasco Coutinho a D. João I. A 23 de Julho de 1383 o rei doa, entre outras terras, a Póvoa e Penela com os seus termos, padroados, jurisdição cível e crime, mero e misto império. Esta doação significava que Vasco Fernandes Coutinho, após a abertura da dinastia de Avis, mantinha e ampliava os seus domínios senhoriais possuindo a Póvoa e Penela com o seu termo, a que se acrescentava o padroado (que consistia no direito a arrecadar os dízimos eclesiásticos, construir e prover as igrejas e de nomear os párocos para o serviço religioso) e com direitos judiciais muito alargados, como o mero e misto império que consistia no exercício de todo o poder político e judicial, sendo o mero império o privilégio de julgar crimes públicos tendo a capacidade de impor a pena de morte e o misto império que consistia numa jurisdição menor, como a possibilidade de executar as sentenças.

Ao ser doado o direito de padroado a Vasco Fernandes Coutinho, temos a referência necessária para perceber que a paróquia já estava formada e que o núcleo populacional já seria constituído por mais de 25 fogos. Contudo a nível paroquial, a Póvoa continuava como anexa da paróquia de Santa Maria de Penela, como demostra o censual da Sé de Lamego de 1520.

Em 11 de Setembro de 1408, a posse da Póvoa e de Penela foi confirmada pelo rei D. João I ao herdeiro de Vasco Fernandes Coutinho, o seu filho Gonçalo Vasques Coutinho, que alguns anos depois solicitou ao mesmo rei a incorporação da Póvoa e de Penela no couto de Leomil, o que ocorreu em 24 de Agosto de 1415.

Em 1441, a linhagem dos Coutinhos ascendeu à mais alta categoria da nobreza, com a criação do condado de Marialva para Vasco Coutinho, irmão de Álvaro Gonçalves Coutinho, o magriço, legitimando o poder e influência na corte e no reino. A vila de Penela e da Póvoa ficam na posse dos condes de Marialva até à sua extinção, ainda que, por volta de 1453, o segundo conde de Marialva, Gonçalo Coutinho, tenha sido preso e as suas propriedades confiscadas pelo rei, entre elas a vila de Penela e da Póvoa, que lhes foram devolvidas a quando do perdão régio em 1455.

Em 11 de Março de 1449, o conde de Marialva recebeu o poder para lançar armas, quando o rei o ordenar, aos moradores dos seus lugares da Póvoa e Penela.

A casa senhorial dos condes de Marialva extinguiu-se em 1534, com a morte de D. Guiomar Coutinho, e as suas propriedades reverteram para a coroa, com os seus direitos e prerrogativas. Quanto ao direito de padroado, o rei D. João III, outorgou-o à Universidade de Coimbra, juntamente com o das paróquias de Penela e Valongo, mas o direito de apresentar os curas na igreja da Póvoa era dos seus moradores que, no ano de 1505, o conseguiram para si por bula Papal, segundo o Censual da Diocese de Lamego do século XVIII.

O foral no século XVI

Em 1514, o concelho de Penela recebeu o seu foral novo, outorgado por D. Manuel, renovando os direitos e prerrogativas da coroa real. Os habitantes da Póvoa estavam obrigados à sua observância, ao pagamento dos impostos devidos ao rei, mas curiosamente aqueles que eram devidos ao próprio concelho, o mesmo não os quis “arrecadar nem haver por favor e liberdade da sua terra.” Nesse tempo, o concelho de Penela era bastante povoado, alcançando possivelmente pouco mais que oito centenas de habitantes, distribuídos por 169 famílias que, segundo o Cadastro do Reino (1527), se repartiam em 50 famílias na Póvoa e 119 em Penela.

Da restauração em 1640 às reformas liberais

Com a Restauração surgiram novos senhores das vilas de Penela e da Póvoa. Destacado militar, figura proeminente entre os conjurados e chefe de uma das mais poderosas casas senhoriais do espaço ibérico, António Luís de Meneses, terceiro conde de Cantanhede e primeiro marquês de Marialva, recebeu a posse e jurisdição das antigas vilas de Leomil, Penela, Póvoa e Valongo, que haviam sido da antiga casa dos condes de Marialva. Recebera-as por doação do rei Afonso VI, em 1665, como retribuição pelo apoio e serviços prestados durante as vitoriosas batalhas da linha de Elvas e de Montes Claros, perto de Borba, alargando a autoridade e património da Casa de Cantanhede-Marialva. Dessa doação, ressalta o direito concedido de isenção de correição que abrangia a Póvoa, bem como as terras de Leomil, Penela e Valongo, que consistia no privilégio de não estar obrigado à entrada dos corregedores régios nas terras do donatário. Prerrogativa de raro valor, apenas era atribuída aos grandes nobres do reino e pressuponha a nomeação de um ouvidor que exercia as funções de corregedor.

Posteriormente, no ano de 1676, o mesmo rei confirmou a jurisdição e posse dos direitos reais nas vilas de Cantanhede, Leomil, Penela, Povoa e Valongo, mantendo-se o marquesado de Marialva como donatário até à sua extinção, com a morte de Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, por não ter geração. Com a sua morte, ocorrida em 1823, o património e as jurisdições do Marquesado de Marialva transitou para a Casa dos Duques de Lafões, mas a Póvoa (como as outras vilas) pouco tempo se manteria sob sua propriedade e autoridade, pois em 1834 era extinto o concelho de Penela da Beira (bem como o de Valongo dos Azeites, pela reforma que suprimia todas as vilas e honras da nobreza) passando a integrar o concelho de Trevões até à sua supressão em 24 de outubro de 1855.

Do ano de 1758, chegou até nós o testemunho do vigário da vila de Povoa de Penella, Francisco Rodrigues Mouzinho, num documento conhecido como Memórias Paroquiais. Segundo este relato a vila de Póvoa de Penela, é apresentada como sendo da “Provincia da Beira Alta, pertence ao bispado de Lamego, e à comarqua de Pinhel, hé villa sobre si, chama-se Povoa de Penella por estar juncto da villa de Penella, distante huma da outra hum coarto de legoa. Estas duas villas são ambas hum só termo. Há em cada huma dellas hum juiz ordinario, e cada hum dos juizes tem jurisdiçam em ambas as villas, e assim juizes como vereadores são de huma villa metade e da outra villa metade, a saber, hum procurador do concelho, hum juiz, e hum vereador de huma das villas e da outra hum juiz, e hum vereador, e para outro anno, hum juiz, vereador e procurador do conce­lho da villa em que não tinha havido procurador doutro anno, e adonde tinha havido procurador o anno preterito há somente juiz e vereador. E assim são repartidas as justiças por costume immemorial. Hé termo e concelho todo hum, hé freguezia sobre si. Hé esta villa donataria e ao prezente hé donatario della o Excellentissimo Marquês de Marialva e Conde de Cantanhede”.

As reformas administrativas liberais ditaram o fim do gozo de jurisdição concelhia da vila de Penela e da Póvoa, transitando para o concelho de Penedono até 1895, data em que também este foi extinto, passando a sua jurisdição para o da Mêda. Tendo sido restaurado a 13 de janeiro de 1898, a freguesia da Póvoa de Penela foi reincorporada no concelho de Penedono, mantendo-se até à atualidade. Essas reformas criaram ainda na Póvoa, como em todo o reino, a figura da Junta de Paróquia, com responsabilidades na área do culto religioso, mas com direito a promover e administrar todos os negócios que fossem de interesse puramente local. Cumpria-lhe conservar e reparar a igreja paroquial, receber e administrar os rendimentos e esmolas da mesma, mas também, cuidar da conservação de fontes, poços, pontes, caminhos, baldios, cuidar da saúde pública, do cemitério e vigiar a escola do ensino primário.

A implantação da república

Após a implantação da República, a 5 de outubro de 1910, a lei nº 88, de 7 de Agosto de 1913, promove a organização das paróquias civis, numa clara distinção das paróquias eclesiásticas, embora assuma o mesmo limite territorial. Para finalizar, a lei nº 621, de 23 de Junho de 1916, altera definitivamente a designação da Junta de Paróquia para Junta de Freguesia, mantendo-se, até hoje, praticamente sem alterações as suas componentes políticas e administrativas.